Esta fotografia foi tirada na casa onde as irmãs Teresianas acolhem jovens estudantes de Angolares às quais prestam a nobre tarefa de formar. Por estas janelas muitas vezes os meus olhos passaram no Verão passado - Verão em Portugal, diga-se, porque sobre a linha do equador não existem estações, existem, isso sim, no que respeita à precipitação, duas estações no ano: a estação das chuvas, que vai de Outubro a Maio, e a estação seca, localmente designada de «gravana», de Junho a Setembro - enquanto tomava o pequeno almoço, almoçava ou lanchava no período de 22 de Julho a 12 de Agosto. Este era o espaço destinado às refeições dos voluntários do projecto Sul.
A minha rotina diária passava por recolher água relativamente potável - a AMI tratava da sua desinfecção central com recurso a lixívia - que jorrava da canalização apenas das 6 às 7 da manhã. Devo dizer que se tratava de um bom exercício físico pois tínhamos de encher os bidões com capacidade para vá lá, 75 litros, que se localizavam nos quartos de banho do piso superior e inferior e na cozinha. Por norma havia água mas devo dizer que se instalava um nervoso miudinho quando existiam sinais de que este recurso pudesse escassear.
Cumpriam-se as tarefas diárias em dois ou três momentos do dia, e para mim, o mais importante é sentir que deixava alguma coisa feita. Perdoem-me o discurso desalinhado, vou escrevendo à medida que as ideias me vão saltando, acho que nunca fui um grande contador de histórias.
A minha mala de viagem estava equitativamente distribuída em 3 sectores: medicamentos e produtos para primeiros socorros, material para fotografia e roupa. Isto para dizer que o meu trabalho em São Tomé passava pela área da saúde e dentro do possível pela experiência fotográfica.
Voltando à parte do alguma coisa feita, ao nível da farmácia o trabalho passou pelo reconhecimento visual da farmácia, para identificar necessidades. Foi-me dito que o médico local da AMI estava a fazer um grande trabalho nesse sentido e que antes dele ninguém tinha trabalhado como ele. Eu vi uma farmácia pobre, com muito poucos medicamentos, mas que se estava a organizar e funcionava dentro das suas limitações. Estava a ser determinada uma área para armazém com os seus stocks e uma área de venda directa também com os seus stocks. A gestão de stocks torna-se mais fácil e é mais fácil de prevenir rupturas com este sistema do que ter tudo centralizado. Os registos são todos feitos manualmente e não existe um computador, devo dizer que o próprio hospital não tem água corrente nem electricidade mais de quatro horas por dia. Passei algumas noções do meu modus operandis em Portugal, como registo de tarefas, pendentes, etc. a importância de de ter tudo inventariado e de ter tudo registado, a vitalidade de ter tudo organizado. De resto a farmácia cá funciona como a farmácia lá. Entrada mercadoria, arrumação, saída do produto com aconselhamento técnico e especializado. Os medicamentos saem em saquinhos unidose. Digamos que tinhamos um esqueleto da farmácia em Portugal mas com muito, muito menos recursos em todos os sentidos do que cá. Para mim considero que trabalhar nestas condições foi uma mais valia, porque me ajudou a ensinou a distinguir com muito maior clareza o essencial do acessório.
O reverso da medalha é a dessensibilização e desresponsabilização que podem acontecer. Não podemos transportar connosco de volta esse sentimento de impotência e inoperância que se observa nos países de terceiro mundo. Há um ponto que me parece muito importante que é o ponto da consciência social: acho que quanto mais evoluída for a consciência social de uma população melhor essa população vive. E esses valores que me parece que os povos nórdicos terão mais desenvolvidos também podem ser ensinados. Aliás uma parte da mensagem do Cristianismo, e longe de mim ser um pregador, mas identifico-me com valores universais, até pelos conhecimentos Budistas que disponho, passa precisamente por amar o próximo. Não será de fácil execução, mas o ensino pelo respeito pela vida e dignidade humana certamente que é exequível. A arquitectura de uma sociedade bem construída e funcional pode passar pela consciência do papel de cada um nessa mesma sociedade e pelo impacto da sua acção na vida do outro e na sua própria vida.
Estando tudo inventariado na farmácia, estando os stocks definidos e registados em papel, tendo o Henrique (AMI) montado na sua cabeça primeiro e depois pedindo na carpintaria local para fomentar a economia os móveis, eu mexi-me por onde achava que seria possível. Eu quis fazer uma base de dados e tinha dois dias para o fazer. A Ivone nunca tinha trabalhado em Excel, nem sequer tinha trabalhado num computador. O meu plano mental passava simplesmente por saber o que se quer para a farmácia (1) e saber o que a farmácia tem (2). Subtraindo 1-2 dá-nos o que a farmácia precisa. E desta maneira conseguia lançar a bola de neve que seria preciso manter depois. Montei o esqueleto da base de dados, após duas produtivas reuniões com o Henrique para saber quais as necessidades mais prementes locais e ensinei a Ivone a trabalhar e a errar em Excel, isto é ensinei-a não só a fazer bem, e também a ensinei a fazer mal, para ela saber como não fazer, de modo a agilizar velozmente o processo de aprendizagem. Funcionou. Sozinha ela preencheu e aprendeu a fazer cálculos na tabela de Excel com a base de dados. Com base em stocks mínimos e máximos, dinheiro em euros e em dólares de São Tomé ela sabia quanto ia gastar em cada encomenda, sabia comprar melhor os medicamentos e sabia os dois objectivos fundamentais da gestão de farmácia: 1) não ter rupturas de medicamentos que as pessoas precisam para viver e para viver melhor. 2) assegurar a viabilidade económica da farmácia ao não empatar dinheiro em muitos produtos de baixa rotação para ter dinheiro para que não faltem os medicamentos essenciais. Com isto podia definir frequências de encomenda mais ajustadas às necessidades e ter no fundo uma gestão racional do medicamento e da farmácia, tudo ao seu cargo.
A pergunta é: como é que se usa um computador sem electricidade? Bom, pedimos ao gestor do Hospital, o médico entretanto eleito Presidente da Câmara de Angolares, o Dr. Américo, para ligar o gerador no nosso último dia de trabalho em conjunto. Deixei uma pen à Ivone com o conhecimento técnico e a base de dados. Falamos com o sr. Adelino, creio eu, para que a Ivone pudesse planear o seu trabalho no computador da administração central. Lembro-me de lhe falar na importância de comunicar eficazmente com os seus parceiros de trabalho, quer subordinados quer superiores, quer com os médicos quer com os gestores do hospital.
Além deste trabalho que me tinha proposto fazer, vou disponibilizando neste espaço o resultado das minhas iniciativas fotográficas. Devo dizer que não foi uma experiência fácil. Eu queria formatar o meu disco e consegui. Quando cá voltei demorei a retornar. E assim espero a minha consolidação. :-)
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